Traduções da Bíblia em língua portuguesa


Ainda que os temas bíblicos tenham sido substância formativa essencial da cultura portuguesa, é tardia a composição nesse idioma de uma tradução integral da Bíblia, em comparação com as demais línguas europeias. Os primórdios da transmissão escrita do texto sagrado em português, paralelamente ao seu uso litúrgico tradicional em latim, relacionam-se à progressiva aceitação social do vernáculo como língua de cultura, no período baixo-medieval. E mesmo que a oficialização da língua vulgar pela monarquia portuguesa remonte a fins do século XIII, durante o reinado de D. 

Dinis, a escritora Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1851-1925), por exemplo, pôde sentenciar categoricamente que, no período medieval, “a literatura portuguesa, em matéria de traduções bíblicas, é de uma pobreza desesperadora”. A primeira tradução completa da Bíblia em língua portuguesa foi composta a partir de meados do século XVII, em regiões específicas do sudeste asiático sob o domínio da Companhia Holandesa das Índias Orientais. O principal responsável por seu processo de elaboração foi João Ferreira A. d’Almeida (c. 1628-1691), natural do Reino de Portugal, mas residente entre os holandeses desde a juventude. A primeira edição de sua tradução do Novo Testamento foi impressa em Amesterdã, no ano de 1681, ao passo que os livros do Antigo Testamento foram publicados somente a partir do século XVIII, em Tranquebar e Batávia. 

A primeira tradução parcial da Bíblia que se tem notícia é a do rei Dinis de Portugal, conhecida como Bíblia de D. Dinis, que teve grande tiragem durante o seu reinado. É uma tradução dos 20 primeiros capítulos de Gênesis, a partir da Vulgata. Houve também traduções realizadas pelos monges do Mosteiro de Alcobaça, mais especificamente o livro de Atos dos Apóstolos. Durante o reinado de D. João I de Portugal, este ordenou que fosse traduzida novamente a Bíblia no vernáculo. Foi publicada grande parte do Novo Testamento e os Salmos, traduzidos pelo próprio rei. 

A sua neta, D. Filipa, traduziu os evangelhos do francês. Bernardo de Alcobaça traduziu Mateus e Gonçalo Garcia de Santa Maria traduziu partes do Novo Testamento. Em 1491 é impresso o Comentários sobre o Pentateuco que, além do Pentateuco, tinha os Targumim sírios e o grego de Onquelos. O tipógrafo Valentim Fernandes imprime De Vita Christi, uma harmonia dos Evangelhos. Os "Evangelhos e Epístolas", compilados por Guilherme de Paris e dirigidos ao clero, são imprimidos pelo tipógrafo Rodrigo Álvares. Numa pintura de Nuno Gonçalves, aparece um rabino segurando uma Torá aberta. Em 1505, a rainha Leonor ordena a tradução de Atos dos Apóstolos e as Epístolas de Tiago, Pedro, João e Judas. O padre Antonio Ribeiro dos Santos é responsável por traduções dos Evangelhos de Mateus e Marcos. 

Em 1529, é publicada em Lisboa uma tradução dos Salmos feita por Gómez de Santofímia, que teve uma 2ª edição em 1535. É bem possível, devido à proximidade com a Espanha, traduções em espanhol fossem conhecidas, como as de João Pérez de Piñeda, João de Valdés e Francisco de Enzinas. O padre jesuíta Luiz Brandão traduziu os quatro Evangelhos. Durante a Inquisição houve uma grande diminuição das traduções da Bíblia para o português. A Inquisição, desde 1547 proibia a posse de Bíblias em línguas vernaculares, permitindo apenas a Vulgata latina, e com sérias restrições. Por volta de 1530, António Pereira Marramaque, de uma família ilustre de Cabeceiras de Basto, escreve sobre a utilidade de verter a Bíblia em vernáculo. Poucos anos depois, é denunciado à Inquisição por possuir uma Bíblia na língua vulgar. 

Uma tradução do Pentateuco é publicada em Constantinopla em 1547, feita por judeus expulsos de Portugal e Castela. Abraão Usque, judeu português, traduziu e publicou uma tradução conhecida como a Bíblia de Ferrara, em espanhol. Teve que publicar em Ferrara, por causa de perseguição. A tradução feita por João Ferreira de Almeida é considerada um marco na história da Bíblia em português porque foi a primeira tradução do Novo Testamento a partir das línguas originais. Anteriormente supõe-se que havia versões do Pentateuco traduzidas do hebraico. De acordo com esses registros, em 1642, aos 14 anos, João Ferreira de Almeida teria deixado Portugal para viver em Málaca (Malásia). Ele havia ingressado no protestantismo, vindo do catolicismo, e transferia-se com o objetivo de trabalhar na Igreja Reformada Holandesa local. 

A sua conversão ao protestantismo ocorreu a partir da leitura de um panfleto espanhol intitulado "Diferença da Cristandade". Ele já conhecia a Vulgata, já que seu tio era padre. Após converter-se ao protestantismo aos 14 anos, Almeida partiu para Batávia. Aos 16 anos traduziu um resumo dos evangelhos do espanhol para o português, que nunca chegou a ser publicado. Em Malaca traduziu partes do Novo Testamento também do espanhol. Aos 17, traduziu o Novo Testamento do latim, da versão de Theodore Beza, além de ter se apoiado nas versões italiana, francesa e espanhola. Aos 35 anos, iniciou a tradução a partir de obras escritas no idioma original. 

Não existe informações sobre como e onde ele aprendeu os idiomas do original. Usou como base o Texto Massorético para o Antigo Testamento e uma edição de 1633 (pelos irmãos Elzevir) do Textus Receptus. Utilizou também traduções da época, como a castelhana Reina-Valera. A tradução do Novo Testamento ficou pronta em 1676. O texto foi enviado para a Holanda para revisão. O processo de revisão durou 5 anos, sendo publicado em 1681, após terem sido feitas mais de mil modificações. 

A razão é que os revisores holandeses queriam harmonizar a tradução com a versão holandesa publicada em 1637. A Companhia das Índias Orientais ordenou que se recolhesse e destruísse os exemplares defeituosos. Os que foram salvos foram corrigidos e utilizados em igrejas protestantes no Oriente, sendo que um deles está exposto no Museu Britânico. O próprio Almeida revisou o texto durante dez anos, sendo publicado após a sua morte, em 1693. Enquanto revisava, trabalhava também no Antigo Testamento. 

O Pentateuco ficou pronto em 1683. Há uma tradução dos Salmos que foi publicada em 1695, anexo ao Livro de Oração Comum, anônima, mas atribuída a Almeida. Almeida conseguiu traduzir até Ezequiel 48:12 em 1691, ano de sua morte, tendo Jacobus op den Akker completado a tradução em 1694. A tradução completa, após muitas revisões, foi publicada em dois volumes, um 1748, revisto pelo próprio den Akker e por Cristóvão Teodósio Walther, e outro em 1753. 

Em 1819, a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira publica uma 3ª edição da Bíblia completa, em um volume. Há também as edições impressas na colônia dinamarquesa de Tranquebar, que datam de 1719 a 1765. São edições parciais da Bíblia, que foram obtidas à medida que os revisores terminavam seu trabalho. Resumindo, foram impressas: Pelo Presbitério da Igreja Reformada da Holanda em Jakarta: O Novo Testamento (1ª edição); Amesterdã: Viúva de Joannes van Someren, 1681 O Novo Testamento (2ª edição); Batávia: Jan de Vries, 1693 O Novo Testamento (3ª edição); Amesterdã: Jan Crellius, 1712 O Pentateuco; Batávia: Oficina do Seminário, 1747 O Antigo Testamento, de Gênesis a Ester (vol. 1); Batávia: Oficina do Seminário (por M. Mulder), 1748 O Antigo Testamento, de Jó a Malaquias (vol. 2); Batávia: Oficina do Seminário (por G. H. Heusler e M. Mulder), 1753 O Novo Testamento, (4ª edição); Batávia: Egbert Heemen, 1773 Pela Real Missão da Igreja Evangélica Luterana da Dinamarca em Taraṅkampāṭi (= Impressões de Tranquebar): O Pentateuco (Gênesis a Deuteronômio); Tranquebar: Oficina da Real Missão da Dinamarca, 1719 Os 12 Profetas Menores (Oseias a Malaquias); 

Tranquebar: Oficina da Real Missão da Dinamarca, 1732 Os Livros Históricos (Josué a Ester); Tranquebar: Oficina da Real Missão da Dinamarca, 1738 Os Salmos (1ª edição); Tranquebar: Oficina da Real Missão da Dinamarca, 1740 Os Salmos (reimpressão da 1ª edição); Tranquebar: Oficina da Real Missão da Dinamarca, 1742 Os Livros Dogmáticos (Jó aos Cânticos); Tranquebar: Oficina da Real Missão da Dinamarca, 1744 Os 4 Profetas Maiores (Isaías a Daniel); Tranquebar: Oficina da Real Missão da Dinamarca.

1751 O Pentateuco (Gênesis a Deuteronômio; reimpressão de 1719 ou, mais provavelmente, 2ª edição), Tranquebar: Oficina da Real Missão da Dinamarca, 1757 Os Evangelhos (Mateus a João); Tranquebar: Oficina da Real Missão da Dinamarca, 1760 O Novo Testamento; Tranquebar: Oficina da Real Missão da Dinamarca, 1765 Os Salmos (2ª edição); Tranquebar: Oficina da Real Missão da Dinamarca, 1810A primeira tradução realizada no Brasil foi feita pelo bispo Joaquim de Nossa Senhora de Nazaré. Era um Novo Testamento traduzido a partir da Vulgata. No prefácio, havia acusações contra os protestantes, chamando suas versões da Bíblia de "falsificadas". Foi publicada em São Luís, no Maranhão, em 1847, sendo impressa em Portugal em 1875. Em 1879, a Sociedade de Literatura Religiosa e Moral publica uma revisão do Novo Testamento de Almeida. Foi revista por José Manoel Garcia, pelo pastor M. P. B. de Carvalhosa e pelo pastor Alexandre Latimer Blackford. 

O imperador D. Pedro II era um profundo admirador da cultura judaica. Após aprender o hebraico, que era a sua língua favorita, traduziu partes da Bíblia, como o livro de Neemias, além de partes do Velho Testamento para o latim. F. R. dos Santos Saraiva, autor de um dicionário latino-português, traduz os Salmos, com o título de Harpa de Israel, em 1898. Duarte Leopoldo e Silva traduz e publica os Evangelhos em forma de harmonia. O Colégio da Imaculada Conceição, Botafogo, Rio de Janeiro, publica uma tradução dos Evangelhos e Atos, do francês, preparada por um padre, em 1904. Padres franciscanos iniciam um trabalho de tradução a partir da Vulgata, sendo concluído em 1909. No mesmo ano, o padre Santana traduz o Evangelho de Mateus diretamente do grego. É a primeira tradução parcial da Bíblia, em português, dos idiomas originais feita por um padre católico, embora tenha sido apoiado pelo latim. J. L. Assunção traduz o Novo Testamento a partir da Vulgata em 1917. Surge, no mesmo ano, o livro de Amós, traduzido por Esteves Pereira. Foi traduzido do etíope. Em 1923, J. Basílio Pereira traduz o Novo Testamento e os Salmos a partir da Vulgata. O então padre Huberto Rohden foi o autor de uma tradução do Novo Testamento. Começou a traduzir enquanto estudava na Leopold-Franzens-Universität Innsbruck, Áustria, completando em 1930. Foi publicado pela Cruzada da Boa Imprensa (atualmente é pela editora Martin Claret). Utilizou como base o Textus Receptus. 

O rabino Meir Matzliah Melamed traduz a Torá, numa edição sem data, com o nome de A Lei de Moisés e as Haftarot. Foi publicada em 1962. A tradução foi revista e lançada, em 2001, com o nome de A Lei de Moisés. Está disponível pela Editora Sêfer. Em 1993 é publicado o Novo Testamento da Nova Versão Internacional. Em 2005, o pastor batista Fridolin Janzen traduz o Novo Testamento em português, baseado no Textus Receptus. O texto está disponível no seu website, e está para ser imprimida. 

O juiz de direito e estudioso do grego e hebraico antigos, Haroldo Dutra Dias, publica o Novo Testamento pela Editora da Federação Espírita Brasileira em 2010. O trabalho de João Ferreira de Almeida é para a língua portuguesa o que a Bíblia de Lutero é para a alemã, a Geneva Version - segundo Shakespeare - e a King James Version para a inglesa, a de Olivétan e as diversas edições e revisões de Genebra entre 1540 e 1686 para a francesa, a Statenvertaling para a holandesa, a de Diodati para a italiana e a Reina-Valera para a espanhola. No entanto, a única tradução moderna em Português, que utiliza os mesmos textos-base em grego e hebraico que foram utilizados por João Ferreira de Almeida, é a versão Almeida Corrigida Fiel, da Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil. 

As demais traduções modernas, embora utilizem o nome "Almeida", como a Almeida Revista e Atualizada e Almeida Revista e Corrigida baseiam-se em maior ou menor grau nos manuscritos do chamado Texto Crítico, que passou a ser utilizado somente a partir do século XIX. Teófilo Braga, ao comentar sobre a versão original de Almeida, disse: "É esta tradução o maior e mais importante documento para se estudar o estado da língua portuguesa no século XVIII." 

Pesquisa - Magno Moreira e Sarah Alice Sales de Moraes

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